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Influências... nas letras

Posted by Dimitri Brandi On 3 comentários

Sempre que respondo a entrevistas me perguntam quais são as minhas influências pessoais e as do Psychotic Eyes, na hora de compor. O entrevistador geralmente está preocupado com que tipo de som te inspira e quais os compositores que servem de referência ao trabalho na hora de criar riffs, melodias e solos. Mas poucos se interessam em saber quais as influências para escrever as letras da banda.

Isso talvez tenha a ver com a pouca importância que o público de metal atribui às letras. Com os anos, formou-se um padrão, de bandas de metal do mundo todo escreverem em inglês. No começo não era assim, e tivemos excelentes exemplos do metal cantado em português com letras provocadoras e fortes. Hoje, o padrão é cantar em inglês, o que facilita internacionalizar nossa música, mas dificulta que os próprios fãs brasileiros compreendam as mensagens, as histórias e as discussões que as bandas exploram em suas letras. Aqui vai um parêntese: não acho que a música tenha que passar nenhuma mensagem, a arte deve é emocionar, e isso pode acontecer com um texto político, mas não é função da música mudar o mundo ou coisa parecida. Se ajudar, ótimo.

Eu mesmo não atribuía muita importância às letras no começo. Achava que a voz era mais um instrumento e a letra era só uma estrutura que possibilitasse ao cantor interpretar. O aspecto principal seria a sonoridade das palavras, não o seu conteúdo. Hoje penso diferente, mas sem perder a noção de que não basta o texto, a sua sonoridade é essencial, pois estamos escrevendo músicas, e não prosa ou literatura.

No primeiro CD do Psychotic Eyes trabalhei muito em cima de histórias, muitas inspiradas em livros e filmes (The Hand of Fate, Bloody Years Forever). Gostava de contar uma história por meio das palavras que seriam cantadas. Mas também insisti em temas políticos, com letras que mostrassem minha visão de mundo (Celebrate the Blood, Carnage is My Name).

Algo aconteceu nesse meio tempo. Para o segundo álbum, em que estamos trabalhando, percebi que na maioria das letras do metal falta expor mais a emoção. Somos bons em contar histórias, mas poucos são os letristas que emocionam, que passam sentimentos profundos por meio de suas palavras, que fazem poesia. Parece que é difícil fugir de certos clichês, como o medo, o horror, a vingança ou os sentimentos de união e bravura. Nesse padrão, o melhor letrista que há no metal é King Diamond, que consegue contar histórias com personagens variados escolhendo precisamente a palavra mais forte para cada riff e momento dramático.

Percebi que há alguns poucos gênios do metal especialistas em demonstrar emoções pessoais e introspectivas. Vou citar alguns exemplos. Curiosamente, são letras que falam de relacionamentos humanos, familiares e amorosos. Claro que nesse tipo de relacionamento as emoções são o mais importante, então isso acaba aparecendo numa letra que trate do assunto.

É impossível não sofrer junto com Warrel Dane (Nevermore) quando ele conta a frustração que sente em relação ao irmão: “Irmão, você nunca ligou para mim. Quando as crianças precisavam de paz você desgraçou nossas famílias. Quando meu pai morreu, pensei que você pegaria em minha mão, mas você só disse que eu era novo demais”. O que poderia ser apenas rancor, no final aparece como solidariedade e amor: “se eu pudesse fingir que sou Deus, nadaria em seu sangue e curaria o câncer que há em ti” (Brother).

Outra emoção avassaladora é o luto. Imagino quanto foi difícil para Blaze Bayley escrever para a esposa agonizante: “Porque você é o meu coração batendo, é a razão pela qual estou vivo. São essas coisas que percebi enquanto você partia” (While you are gone).

A relação pai e filho aparece nas palavras de Geoff Tate (Queensrÿche): “Você diz ‘filho, vamos esquecer o passado, eu quero outra chance, vamos deixar isso para trás’. Você me implora por um novo começo, tentando construir uma ponte que foi destruída. Mas você sabe, pai, que você nunca a construiu” (Bridge).

O mesmo tema, mas de um modo mais trágico, vem nas letras de Tchort (Green Carnation), que passou pela dor inigualável de perder uma filha criança, que faleceu: “Pai, perdôe-me se fiz algo errado, até quando você vai me deixar sofrendo sozinho” (em Boys in the Attic) e “O anoitecer desliza sobre o céu. Alguém se despediu de ti? Alguém te viu? O playground está vazio agora. As crianças não brincam mais. O jogo acabou” (em Child’s Play).

A dor da traição, da perda da confiança, aparece no texto de Dave Mustaine (Megadeth): “Meu corpo dói pelos erros, traído pela luxúria. Nós mentimos tanto um para o outro, que não confiamos mais em absolutamente nada” (Trust). Parece com o que diz Andi Deris (Helloween): “Estou tentando de verdade, mas amanhã ainda estarei chorando. Como você pode esconder suas mentiras?” (Forever and One).

Como diria outro grande letrista, James Hetfield: “Eu nunca me abri desse jeito. Essas palavras não são só para serem ditas, e nada mais importa” (Nothing Else Matters).

Tentei trabalhar com a emoção nas letras novas. Há amor, dor, perda, ciúmes, inveja, ambição, remorso. Se eu vou conseguir emocionar alguém, não sei. Afinal, “pessoas felizes não tem histórias” (Therapy?, em Stories).

3 comentários:

Ripp disse...

Perfeitas colocações. Sem dúvida só radicais e ignorantes "acham" que dentro do estilo só se fala em demônios, drogas e futilidades.
A poesia está presente sempre, quer seja nas melodias ou nas letras.
Escuta quem quer. entende quem pode !!!

Adriano Villa disse...

Btarde... Como vai meu caro amigo? Que surpresa encontrar o seu blog... E que prazer poder ler palavras tão sinceras e bacanas... Infelizmente as pessoas não se importam muito com as letras, elas preferem apenas sentir a energia da canção como um todo, como se fosse um motor funcionando à energia nuclear, entretando, tudo faz parte de apenas um todo... A letra é a alma e o instrumental o corpo que leva sua complexidade por ai... Parabens e td de bom cara... E, visite o meu blogs hein... se cuida

Psychotic Eyes disse...

Adriano, seu comentário é a síntese perfeita do que penso: a letra é a alma, e o instrumental o corpo. Se eu tivesse pensado nisso, colocaria no artigo! Bem se vê que o amigo tem a poesia no sangue.

Aliás, a primeira faixa do nosso próximo CD é a Throwing to Chaos, letra de Adriano Villa para o Psychotic Eyes. O que muito nos honra e engrandece!