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Site Goregrinder debate o público underground

Posted by Dimitri Brandi On 0 comentários

O excelente site GOREGRINDER fez uma provocação: "quais são os motivos que levam ao fraco comparecimento do público Underground nos últimos tempos?".

A pergunta foi respondida por várias pessoas, integrantes de bandas, organizadores de eventos e fãs. A matéria completa você pode ler aqui.

Minha resposta segue abaixo!

Venho reclamando disso há muito tempo. Um dos primeiros textos que escrevi para o blog do Psychotic Eyes tratava exatamente das dificuldades de uma banda underground no Brasil. Uma das dificuldades é o baixo comparecimento do público nos eventos. Esse texto refletia bem o que eu pensava na época (2003), antes de lançarmos nosso primeiro CD. Hoje, passados muitos anos, refleti bastante sobre o assunto e penso de maneira diferente. Até o próprio texto (que vocês me enviaram) me fez ver algumas coisas que eu não havia percebido.

Acho que começamos com uma confusão. Não é verdade dizer que "o público não vai nos shows underground". A situação é bem pior. A frase verdadeira seria "não existe público de shows underground". Porque quem não vai em show underground não é "público", esse conceito só se aplica a quem vai nos eventos, então você pode ter eventos com mais ou menos pagantes, mas o público underground não existe mais.

Outra confusão que nós fazemos é "show underground é barato e show internacional é caro". Também é mentira. Numa sociedade capitalista, as coisas custam o tanto quanto as pessoas se dispõem a pagar por elas. Se alguém paga R$ 200 para ver o Nightwish, mas não pagam R$ 5 para entrar num festival com 10 bandas underground, é porque o cara acha que o Nightwish vale R$ 200, mas as bandas underground não valem cinqüenta centavos cada uma. É cruel, é ridículo, é deprimente, mas infelizmente é verdadeiro. Isso só vai mudar se a cabeça do público mudar, e esse cara parar de dar mais valor a uma coisa e menos à outra.


Quando falo que estamos errados e fazendo confusão, faço com um grande teor de autocrítica, pois eu também já pensei assim. Aí ficava revoltado, com saudade daquela época em que os eventos underground eram lotados, querendo que aquele tempo voltasse. Mas ele não vai voltar, e acho que por uma série de fatores. Temos é que aprender a viver na sociedade de hoje, que causou essa situação.

Outra coisa que não percebemos é que o público sumiu não só dos shows underground. Sumiu também de outras atividades culturais e sociais. Até jogo de futebol hoje tem pouco público, e os times da Europa sobrevivem de venda de merchandising. Igual as bandas da Europa, que também ganham mais com a venda de itens de marketing do que com shows e CDs. Nisso tudo a música e a arte viraram aspectos secundários da indústria de publicidade. O KISS continua lançando seus bonecos e lucrando horrores com eles, e de vez em nunca faz um disco.


Porque isso? Eu acho que é a mistura de quatro características generalizadas da sociedade atual: consumismo, individualismo, imediatismo e superficialidade. Esses quatro cavaleiros do apocalipse pós modernos acabaram com muitas coisas, não só com a cena metal underground. Acabaram também com os sindicatos, com o cinema de arte e até (felizmente) com as gravadoras e a indústria musical.


O consumismo impulsiona todo mundo a comprar coisas. Arte não é coisa. Um CD pode ser consumido, mas a música que tem dentro dele, não. Música você tem que ouvir, apreciar, se emocionar, ainda que essa emoção canalizada pela música seja a revolta ou a raiva. Mas hoje muita música não é ouvida, só serve de desculpa para o consumo de alguma coisa. Um mp3player, um iPOD, um celular moderno que toca música. Tem gente até que consome downloads. São aqueles caras que baixam 300 discos por dia, mas não ouvem nenhum. Aí fazem propaganda dos GB que tem no HD, ou postam esses discos em blogs, comunidades e fóruns, e dessa forma se tornam mais respeitados dentro daquela comunidade. Antes não era assim, era bem diferente. Quem teve a experiência de trocar fitas cassete entende a diferença. O mp3 não é como a fita cassete, pois para gravar uma fita você precisava de um amigo que fizesse isso para você. Não tinha fitas por aí de graça para quem quisesse. E tinha um limite de quantas vezes uma fita podia ser copiada sem perda de qualidade, então alguém próximo tinha que ter o disco original. Hoje você baixa música de uma banda que nunca ouviu falar, num site hospedado na Tanzânia, cujos arquivos foram ripados por alguém que você não sabe nem o nome. Não tem mais interação nenhuma entre pessoas, só entre máquinas.

Isso toca em outro ponto que eu falei: o individualismo. Se antes ouvir música era uma atividade coletiva, hoje é individual ao extremo. E esse individualismo é reforçado pela cultura consumista. Pois é melhor para o capitalismo, dá mais lucros, que cada pessoa tenha o seu iPOD que vai ouvir com fones de ouvido, do que a família inteira ter somente um aparelho de som e utilizá-lo coletivamente. Isso não é só com música, hoje as famílias ricas têm uma televisão para cada morador da casa. Às vezes um computador para cada um. Mais de um celular, tudo isso multiplicando o consumo e radicalizando o individualismo, a solidão e o isolamento. Daqui a pouco vai ter até show individual. Você entra no site da banda e vê ela tocando. Só para você, ninguém mais. Não precisa comprar ingresso, não precisa disputar o melhor lugar, não vai ter ninguém suado do seu lado cantando desafinado a letra errada. Ops. Acho que isso já existe e se chama YouTube.


Tem também o imediatismo. Todo mundo quer tudo agora. Quer comprar pela internet e receber no mesmo dia. Quer baixar um CD antes dele ser lançado. Quer ver o filme do Wolverine antes dele ficar pronto. Todo mundo quer ser o primeiro e no dia seguinte já é tudo velho. Só que isso não funciona com shows. Para ir a um show você tem que se preparar, comprar o ingresso antes, sair de casa, se deslocar, esperar para entrar, esperar a banda tocar. E não escolhe a lista de músicas. Se a banda resolver não tocar a música que você mais gosta, problema seu. E depois do show tem que voltar para casa, acordar cedo no dia seguinte. Isso afeta principalmente os shows underground, pois os eventos acontecem em lugar com pior estrutura, mais longes, às vezes na periferia. E em qualquer evento underground tem bandas que você não conhece, então não tem tanta vontade de ver.


Aí chegamos na superficialidade. Hoje a maioria pensa assim: "se eu não conheço, não presta". Não existe mais curiosidade, vontade de conhecer o novo, de descobrir novos sons, de se surpreender. Nada disso tem valor na sociedade atual. O chique é o previsível, o superficial, o raso. Coisas difíceis, como ler um livro, interpretar uma letra, acompanhar uma história fragmentada, estudar, tudo isso está fora de moda. Isso se reflete em todas as artes, mas atinge também o metal. Pois metal é uma música difícil de ouvir, têm que prestar atenção, perceber as mudanças de ritmo, de tonalidade, as melodias são longas e complexas. Mesmo quem não tem formação musical, mas é fã de metal, admira essas flutuações, aquela coisa "Master of Puppets", em que a música conta uma história com momentos tristes, alegres, violentos, melancólicos, tudo na mesma faixa, às vezes em alguns segundos.


Mais uma vez, quem perde mais é o underground. Pois num show underground, geralmente a qualidade de som não é 100%, então você já precisa prestar mais atenção na banda do que precisaria num show mainstream. E, como você não conhece todas as músicas, às vezes está tendo o primeiro contato com aquela obra. Se não prestar atenção, se estiver bêbado, se estiver mais preocupado com a menina do lado, vai achar uma merda ou não vai entender nada da música. Por isso que hoje os shows underground que atraem mais público são os de bandas covers, seguidos por aquelas que copiam estilos já estabelecidos, sem espaço para inovação.


O que a gente não pode esquecer é: "nem sempre foi assim". A geração atual, que começou a ouvir música nos anos 2000, tem que saber que as coisas mudaram muito, em poucos anos. Que as bandas de hoje, quando começaram a tocar, viviam num mundo que parece de outro planeta. Um disco demorava meses para chegar na loja. E mais alguns meses para você conseguir ouvir. Se tinha grana para comprar, beleza, senão tinha que esperar um amigo gravar em fita. E você ia ouvir essa fita no som de casa, com os amigos, a família reclamando e pedindo para abaixar. Não existia fone de ouvido nem celular. Ninguém ouvia música na rua, tinha o momento para isso, quando se chegava em casa. Claro que tudo era mais difícil, mas essa dificuldade valorizava o momento, aumentava o prazer e a sensação de apreciação de uma obra de arte, não somente de consumo.


E o metal underground era um fenômeno coletivo. Todo mundo ia nos shows, porque eram OS SHOWS, não tinha escolha, não tinha evento internacional. E a banda que estava tocando no palco eram seus conhecidos, podia ser você, seu irmão. Isso dava um sentido de irmandade, de coletivo, que hoje não temos mais. A banda conseguir gravar um disco era uma vitória, todo mundo valorizava e se orgulhava. Hoje, ao contrário, como qualquer um consegue gravar um disco, ninguém valoriza nada.

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